São José, patrono das famílias
A Bíblia chama poucos de justos, José é um desses homens justos, ou seja, ouvinte de Deus e praticamente da Palavra. Neste artigo pretendo colocar em evidência a pessoa de José desde o seu silêncio e de sua coragem. Não há palavras de José no Novo Testamento. Ele é mencionado em Mateus quatro vezes, na genealogia:”Jacó gerou José, esposo de Maria, de quem nasceu nasceu Jesus” (Mt 1,16); logo em seguida no anúncio do anjo 1,18-24; na fuga para o Egito 2,13 e no retorno do exílio 2,19. Lucas também menciona José quando afirma que Maria era prometida a ele 1,27; quando deixou Nazaré para ir a Belém 2,4; quando foram ao Templo apresentar a criança ficaram admirados com as palavras de Simeão 2,33; ao encontrarem o menino no Templo entre os doutores 2,48.
Por isso e outras razões, pode passar despercebido um detalhe importante sobre a figura paterna de José. Estamos acostumados a ouvir e refletir sobre o anúncio do anjo a Maria (Lc 1,26-38), no entanto foge do nosso olhar o anúncio do anjo Gabriel a José (Mt 1,18-22). Um texto tão importante quanto o de Lucas. Somente na compreensão desta narrativa, na minha opinião, é possível realmente compreender a importância de José, mesmo que sua voz não se faça escutar. Ele é uma presença-ausência, quase um personagem secundário, porém, as referências a ele o colocam dentro de inquietação e até de uma busca serena de entender a vontade de Deus.
Mateus narra que a gravidez de Maria gerou em José numa verdadeira crise. Ele era Justo e não queria difamar Maria (1,19). Entre eles havia um pacto de casamento, porém não moravam juntos. A saída que José encontrou para o problema foi fugir, repudiando Maria de forma secreta. Com isto, ele assumia publicamente um erro fatal que acabaria com sua reputação: abandonar a mulher que teria engravidado antes de viver com ela. Diante deste impasse dolorido Deus interveio na vida de José através de um sonho (1,20).
- “José, filho de Davi, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa; o que foi gerado nela provém do Espírito Santo” (1,20b). Gabriel anuncia desta forma a vontade de Deus a José. Era preciso que ele assumisse sem medo e com plena retidão de coração aquela mulher amada que parecia tê-lo enganado. No entanto, a boa nova do anjo o surpreende ainda mais;
- “E ela dará à luz um filho a quem porás o nome de Jesus, pois é ele que salvará o seu povo dos seus pecados” (1,21). Ao dar o nome ao filho José assumiria a paternidade, pois é sempre o pai quem dá o nome ao filho no contexto bíblico. Este menino será o Salvador anunciado pelos profetas. José, profundo conhecedor da Torá e dos profetas, sabe que a promessa foi feita. Agora é o tempo, o kairós de Deus, e ele é chamado a ser protagonista desta revelação;
- “Ao despertar, José fez o que o anjo do Senhor lhe prescrevera: acolheu em sua casa a sua esposa” (1,24). A união de José e Maria se consolida após este anúncio. Agora Maria passa à casa de José como esposa legitima e o filho que ela espera é também dele porque ambos estão envolvidos num plano divino que aos poucos será esclarecido conforme aquele menino crescia em sabedoria e graça;
O casal vive toda esta realidade à luz do Mistério. Talvez o silêncio de José pode representar sua real dificuldade em entender tudo o que estava acontecendo ou a contemplação daqueles fatos o tenham deixado mudo, não devido a incredulidade, mas por sua adesão a um projeto divino que o envolveu e o arrastou para uma dimensão nunca imaginada. Precisamos entender que José e Maria eram jovens cheios de sonhos, esperando a união plena de suas vidas e a acolhida dos filhos que a bênção de Deus iria coroá-los, porém, de forma inesperada tudo muda; caem por terra os desejos pessoais e predomina a intervenção de Deus cuja epifania colhe Maria na sua humildade e entrega generosa e a José na sua inquietação e busca da luz que parecia ter apagado.
- “Mas não a conheceu até quando ela deu à luz um filho, ao qual ele deu o nome de Jesus” (1,25). O verbo conhecer na Bíblia tem variados significados. No hebraico YADA, quer dizer compreensão sensorial de algo, sensibilidade para o que não é paupável. Pode ser também o conhecimento de Deus que se dá naquilo que é visível aos olhos, no caso a Mãe e a criança que José contempla envolvido no Mistério de Deus. Na tradução dos 70, Bíblia Grega, GINOSKEIN, é compreender os sentimentos e o querer. Quando Jesus usa a expressão: “nunca os conheci” (Mt 7,23), está dentro desta perspectiva. Ele não compactua com os sentimentos dos maus, hipócritas e fariseus. Enfim, conhecer também pode significar ato sexual – comunhão de corpos. Neste versículo entendemos que Mateus revela que José não tinha ainda sentido os sentimentos e o querer de Maria até contemplar o seu filho. A partir daquele momento ele passa a conhecê-la, no sentido YADA.
Somente assim podemos compreender a paternidade de José e o reconhecimento da Igreja, ao longo dos séculos, da presença dele no seio daquela família, na qual José personifica a paternidade e a proteção, como de fato foi, Providência de Deus.
Pe. João Mendonça, sdb